Conteúdo Trabalhista

 

 

1. Introdução

O Ministro de Estado da Previdência Social aprova o Parecer MPS/CJ nº 11/08, publicado no DOU de 18/01/2008, que trata da possibilidade do cômputo do período prestado como Aluno Aprendiz para efeito de aposentadoria.

2. Questão Objeto da Controvérsia

Cuida-se de pedido dirigido ao Sr. Ministro de Estado da Previdência Social pelo Sr. Presidente do Conselho de Recursos da Previdência Social (CRPS), indagando sobre a possibilidade da revisão do Parecer/CJ nº 2.893/02, aprovado pelo então Ministro da Previdência e Assistência Social (MPAS), em 12/11/2002, e regularmente publicado no Diário Oficial da União.

O questionado Parecer/CJ nº 2.893/02 apresenta a seguinte ementa:

Ementa: Direito Previdenciário. Benefício.

Aluno Aprendiz. Reconhecimento de Tempo de Serviço.

Aplicação da Legislação Vigente ao Tempo da Implementação de Todos os Requisitos pelo Segurado.

Requisitos para a concessão do benefício implementados durante o período de vigência do Decreto nº 611/92, e do Decreto nº 2.172/97 - o segurado tem direito à contagem como tempo de serviço do período de aprendizado profissional realizado, em qualquer época, nas escolas técnicas na condição de aluno aprendiz, desde que haja remuneração e vínculo empregatício, em razão da jurisprudência pacífica do STJ. Revogação do Parecer/CJ/Nº 1.263/98;

Implementada todas as condições para concessão do benefício durante o período anterior ao Decreto nº 611/92 - é possível a contagem do tempo de serviço na condição de aluno aprendiz, nos termos do Parecer/CJ/Nº 24/82;

Requisito para a concessão do benefício implementado em período posterior ao advento do Decreto nº 3.048/99 - não se admite a contagem como tempo de serviço do período de aluno aprendiz.

Argumenta a digna autoridade do órgão recursal previdenciário, em apertado resumo, que a orientação exegética esposada no aludido Parecer, malgrado reconheça que o tempo prestado como aluno aprendiz em escola técnica deva ser computado para fins de contagem de tempo de serviço, limita este aproveitamento à edição do Decreto nº 3.048/99, de modo que só beneficiaria àqueles segurados que já reunissem todos os requisitos para obtenção da aposentadoria até a data da edição do referido Decreto.

Insurge-se o CRPS especificamente quanto a esta última restrição temporal, ao fundamento de que as novas regras entabuladas pelo Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo referido Decreto nº 3.048/99, devem produzir efeitos para o futuro, não podendo atingir fatos ocorridos antes de sua vigência, firmes na teoria da intangibilidade do direito adquirido e no princípio da irretroatividade das normas.

É o relato do necessário.

Para o adequado enquadramento da questão posta em análise, impende ressaltar, de antemão, que o objeto deste estudo não se volta a perquirir a respeito da possibilidade ou impossibilidade de aproveitamento do período exercido como aluno aprendiz para fins de cômputo como tempo de serviço.

Este tema já foi abordado com consistência e esmero pelo aludido Parecer/CJ nº 2.893/02, conforme se pode conferir:

"(...)

Ante o exposto, esta Consultoria Jurídica firma as seguintes orientações sobre a questão:

(...)

b) uma vez pacificada a questão no Superior Tribunal de Justiça, no sentido de permitir a contagem do tempo de aluno aprendiz para fins previdenciários desempenhado em qualquer época, desde que tenha havido remuneração e vínculo empregatício, inclusive se exercido fora do período de vigência do Decreto-Lei nº 4.073/42, e por não se verificar no caso nenhuma questão constitucional passível de apreciação pelo Supremo Tribunal Federa, impõe-se:

b.1) a revogação do Parecer/CJ/Nº 1.263, de 1998, a fim de racionalizar o trabalho do contencioso da Procuradoria Federal Especializada - INSS, evitar demandas que já se sabe infrutíferas e o pagamento de honorários de sucumbência;"

Nota :
O Decreto-Lei nº 4.073, de 30/01/1942, é a Lei Orgânica do Ensino Industrial.

Verifica-se, portanto, que o Parecer/CJ nº 2.893/02 foi levado a concluir pela possibilidade de integralização à contagem do tempo de serviço do período exercido como aluno aprendiz, curvando-se à pacífica jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, para fins, inclusive, de racionalização do trabalho jurídico.

Cumpre agora verificar se este entendimento aplica-se tão somente aos segurados que tenham reunido todos os requisitos para a obtenção da aposentadoria até o advento do Decreto nº 3.048/99, como proclama o Parecer/CJ nº 2.893/02, ou, em sentido diverso, se também se estenderia aos segurados que reúnam os requisitos para a aposentadoria somente após a edição do aludido Decreto, como sustenta o trabalho elaborado pelo CRPS.

O Parecer/CJ nº 2.893/02 alinha-se à primeira assertiva, fixando orientação no seguinte sentido:

"43. Ante ao exposto, esta Consultoria Jurídica firma as seguintes orientações sobre a questão em exame:

a) a partir do advento do Decreto nº 3.048, de 1999, que excluiu, intencionalmente, a possibilidade de contar como tempo de contribuição o período de aprendizado profissional realizado em escolas técnicas na condição de aluno aprendiz, não é permitido a contagem desse período como tempo de contribuição para os segurados que implementaram os requisitos necessários à concessão do benefício após a vigência do Decreto em referência."

Funda-se aquele estudo no argumento de que o Decreto nº 3.048/99, inovou na ordem jurídica, retirando do rol de hipóteses de contagem de tempo de serviço justamente o período exercido como aluno aprendiz, tratando-se de "silêncio eloqüente".

Nesta linha de raciocínio, sustenta que o regime jurídico de concessão da aposentadoria teria sido alterado e, conseqüentemente, todas as aposentadorias que não estivessem aptas a serem fruídas antes da edição do Decreto nº 3.048/99, deveriam se submeter às novas regras estabelecidas no citado Decreto.

Assevera que não há direito adquirido a regime jurídico e que a data em que se completam todos os requisitos para fruição do benefício é a que deve ser considerada como marco para a aplicação do direito à espécie. Toma como paradigma o que ocorre com a concessão do benefício de pensão por morte, para o qual aplica-se a norma vigente ao tempo do evento morte, citando jurisprudência neste sentido.

Reporta-se ainda o douto parecer à Súmula nº 359 do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual:

"Ressalvada a revisão prevista em lei, os proventos da inatividade regulam-se pela lei vigente ao tempo em que o militar, ou servidor civil, reuniu os requisitos necessários, inclusive a apresentação do requerimento, quando a inatividade for voluntária."

De fato, é amplamente sabido e aceito que não há direito adquirido à manutenção de regime jurídico.

Sucede, todavia, que no caso em exame parece não ter havido mudança alguma no regime jurídico de concessão do benefício de aposentadoria. Os requisitos de elegibilidade gerais e específicos para concessão da prestação permaneceram rigorosamente os mesmos, como quantidade de tempo de serviço, prazo de carência, requisito etário, etc.

A única diferença trazida pelo Decreto nº 3.048/99 em relação aos diplomas normativos anteriores, no que concerne ao presente estudo, é que aqueles previam expressamente a hipótese de contagem do tempo exercido como aluno aprendiz, e o Decreto nº 3.048/99, deixou de conter disposição expressa neste sentido.

De se anotar que o rol a que se faz referência é o que consta do art. 60, do RPS, com a seguinte redação:

"Art. 60 - Até que lei específica discipline a matéria, são contados como tempo de contribuição, entre outros: (g.n.)"

Nos vinte e um incisos desse artigo são enumeradas as diversas hipóteses que poderão ser consideradas como tempo de contribuição.

Segundo nos parece, dita enumeração não é taxativa, mas exemplificativa, designada especialmente pela expressão "entre outros", contida na cabeça do artigo. De sorte que a omissão da hipótese de contagem do período de aluno aprendiz não significa, necessariamente, que estaria vedado seu cômputo como tempo de serviço, mas sim que eventualmente poderia vir a ser enquadrado dentre as hipóteses não enumeradas expressamente ("entre outros"), desde que devidamente configurado.

Por outro ângulo, a suposta similaridade sugerida entre o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição e a pensão por morte não se afigura adequada para o caso, na medida em que, ontologicamente, os benefícios são diversos.

A pensão por morte insere-se na categoria de benefícios decorrentes de risco, à feição do que ocorre com a aposentadoria por invalidez e o auxílio-doença, devidos em função de eventos imprevistos, aproximando-se da idéia de seguro que garanta a subsistência do trabalhador na ocorrência de eventual infortúnio.

Desse modo, o fato gerador do benefício de pensão por morte é único e instantâneo, decorrente do implemento do elemento aleatório em que se fundamentam os benefícios de risco, daí porque no momento do evento morte (ou da decisão judicial, no caso de morte presumida) é que devem ser aferidos os requisitos para sua concessão, aplicando-se a legislação então vigente.

Já a aposentadoria por tempo de contribuição ajusta-se na categoria dos benefícios programados, cuja prestação será necessariamente devida quando integralizado o número de contribuições estipuladas no plano, além do cumprimento de eventuais outros requisitos como idade mínima, por exemplo.

Assim, os fatos geradores (tempos de contribuição/serviço) são frações de tempo que vão se sucedendo, se acumulando e se incorporando ao patrimônio jurídico do trabalhador ao longo dos anos, segundo a legislação aplicável a cada momento da prestação do serviço (ou da contribuição), sendo resultado de toda uma vida de labor, e por isso mesmo deve este direito estar preservado de modificações que venham a ocorrer depois de já prestado o serviço.

Ademais, na realidade, existem dois direitos distintos em cotejo: um é o direito à contagem de tempo de serviço. Outro, diverso, é o direito à própria aposentadoria. Embora o direito à aposentadoria apareça como efeito daquele outro direito (à contagem do tempo de serviço), ambos não se confundem.

O direito à contagem do tempo de serviço aperfeiçoa-se no momento em que o segurado efetivamente pratica o ato abstratamente previsto na norma, vale dizer, quando desempenha a atividade, incorporando os efeitos jurídicos desse fato gerador ao seu histórico previdenciário segundo a norma então vigente.

A contagem do tempo de serviço é apenas um dos elementos formadores do direito à aposentadoria e tanto se mostra um direito autônomo e com regime jurídico apartado em relação à própria aposentadoria, que ele pode até ser destacado de determinado regime jurídico de previdência e ser migrado para outro regime, tal como ocorre nos casos de contagem recíproca.

De se notar, sublinhando a distinção referida anteriormente, que ao desempenhar certa atividade laborativa, adquire-se o direito não a aposentar-se (para o qual deverão concorrer diversos outros elementos). Adquire-se o direito em ver aquele período computado como tempo de serviço, segundo as regras vigentes naquele momento.

Bem por isso a remissão que o aludido parecer faz em relação à Súmula 359 do E. STF afigura-se desprovida da necessária correlação temática, na medida em que esta trata do regime jurídico da aposentadoria e não do regime jurídico da contagem de tempo de serviço, direito autônomo.

Aprofundando-se um pouco mais na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, chega-se ao Recurso Extraordinário nº 82.881, de São Paulo, com Acórdão datado de 05/05/1976, no qual foi julgado caso em que a questão de fundo é absolutamente idêntica ao tema ora em exame, tendo sido afastada a incidência da mencionada Súmula nº 359 do STF, exatamente em razão da distinção que deve ser feita entre direito à aposentadoria (objeto da Súmula nº 359) e direito à contagem de tempo de serviço.

O emblemático julgado restou assim ementado:

"Ementa: Servidor Público Estadual - Caracterização de tempo de serviço público; direito adquirido - Estabelecido, na Lei, que determinado serviço se considera como tempo de serviço público, para os efeitos nela previstos, do fato inteiramente realizado nasce o direito, que se incorpora imediatamente ao patrimônio do servidor, a essa qualificação jurídica do tempo de serviço, consubstanciando direito adquirido, que a lei posterior não pode desrespeitar. Recurso Extraordinário conhecido, mas desprovido. Votos vencidos.

Considerando a relevância histórica e riqueza didática do julgado, transcreve-se alguns trechos dos votos e debates dos Ministros componentes daquele plenário, cujo inteiro teor do Acórdão encontra-se acostado ao presente processo, podendo ainda ser livremente acessado no repositório de jurisprudência disponível no sítio do Supremo Tribunal Federal:

(...)

O Senhor Ministro Eloy da Rocha: A lei dispunha:

o fato considera-se tempo de serviço público, para aposentadoria e disponibilidade.

O Senhor Ministro Djaci Falcão (presidente): Desde que prestado o tempo de serviço, ele se incorpora ao patrimônio do servidor público, gerando efeito imutável pela lei posterior.

(...)

O Senhor Ministro Eloy da Rocha: O princípio é este: realizado, completamente, o fato que a lei manda contar como tempo de serviço público, o direito, dele resultante, incorpora-se, desde logo, no patrimônio do servidor público, independentemente da atualidade de outros direitos. Lei posterior não poderá dar como inexistente o fato, ou tirar-lhe a qualificação de serviço público.

(...)

Poderão ser alterados os requisitos da aposentadoria quanto ao tempo de serviço: ao invés de trinta e cinco anos de serviço, se o funcionário for do sexo masculino, poderão ser exigidos quarenta ou cinqüenta. Mas a lei não poderá dispor que não é mais tempo de serviço público, para todos os efeitos, ou para determinado efeito, o que, segundo a lei, o era, na época em que o serviço foi prestado.

(...)

O Sr. Ministro Moreira Alves: Em rigor, considero que a redação anterior da Súmula 359 estava correta, quando dizia que, na aposentadoria voluntária, o direito a ela nascia da apresentação do requerimento. Não é esse, porém, o problema que, agora, se discute.

(...)

O Sr. Ministro Thompson Flores: - Até agora, estou inteiramente de acordo com o que V. Exa acaba de afirmar.

O que gostaria que V.Exa. esclarecesse, para bem poder sentir e compreender o pensamento de V. Exa, é se V. Exa. Considera que a lei que rege a aposentadoria é aquela em que o servidor satisfaz todos os seus pressupostos. Em outras palavras, se V. Exa está de acordo com o enunciado na Súmula nº 359. Se, em sendo assim, se a esta época o tempo discutido já não é computável, deve ser considerado quando já averbado ao tempo que imperava a lei que o admitia, então, e agora já foi revogada. Para mim, aí reside o núcleo da questão.

O Sr. Ministro Moreira Alves: O tempo de serviço é apenas um dos elementos necessários à aposentadoria. A qualificação jurídica desse tempo é regida pela lei vigente no momento em que ele é prestado.

(...)

O Sr. Ministro Thompson Flores: Mas não se rege a inativação pela lei do tempo, segundo a qual os requisitos foram todos satisfeitos?

O Sr. Ministro Eloy da Rocha: Certamente, a lei atual rege os requisitos do direito à aposentadoria. Pode, por exemplo, exigir maior tempo de serviço. Mas não pode dar como inexistente fato jurídico perfeito, não pode retirar ao serviço prestado a qualificação de serviço público, que se constituiu num direito incorporado no patrimônio do servidor.

(...)

O Sr. Ministro Moreira Alves: Há dois direitos diferentes: o direito ao tempo de serviço e o direito a aposentar-se.

O Sr. Ministro Cordeiro Guerra: A aposentadoria se regula pela lei vigente à sua época. Essa lei é que não pode violar o direito adquirido, isto é, não pode apagar o tempo anterior que ele tem.

O Sr. Ministro Moreira Alves: V. Exa. Me permite? A explicação é simples. Há dois direitos diferentes: um, é o direito à contagem do tempo; e outro, o direito a aposentar-se.

(...)

O Sr. Ministro Cordeiro Guerra: Sr. Presidente, conheço do recurso e lhe nego provimento. Explico com um mínimo de palavras: o tempo foi contado de acordo com a lei vigente ao tempo da contagem: incorporou-se ao patrimônio do funcionário.

A lei pode criar novas condições para a aposentadoria, mas não pode prejudicar o direito adquirido ao tempo de serviço pro labore facto: quer dizer, o que já foi contado, não pode ser apagado.

(...)

O Sr. Ministro Rodrigues Alckmin: Sr. Presidente, com a devida vênia dos votos dissidentes, acompanho o eminente Ministro Moreira Alves e mando contar o tempo de serviço, com a consideração de que, no caso, não se discute direito adquirido à aposentadoria, e sim à qualificação desse tempo, porque é fato pretérito que a lei ulterior não podia cancelar.

(...)

O Sr. Ministro Djaci Falcão (Presidente): (...) Como é sabido, a lei nova destina-se a reger as situações atuais e futuras, não podendo alcançar uma situação pretérita, disciplinada pela lei revogada. Se dispõe de modo retroativo, o que não ocorre no caso, ofende o princípio constitucional inserto no § 3º, do art. 153.

Assim, não vemos como o intérprete possa fazer incidir a lei nova sobre uma situação jurídica anteriormente constituída, que não depende de elementos futuros, e sim que é apta a projetar efeitos no futuro.

(...)

Na linha dos conceitos que adotamos não é possível ilidir a contagem daquele tempo de serviço, de valor jurídico próprio e que se colocou sob o manto da lei primitiva. Parece-nos oportuno acrescentar que mesmo nos fatos jurídicos de elaboração progressiva impõe-se o resguardo de elemento relativo à sua constituição, que tenha valor próprio e que haja se realizado sob o domínio da lei anterior.

(...)

Dir-se-á que a aposentadoria, garantia da inatividade remunerada, rege-se pela lei do tempo em que o servidor reuniu os requisitos necessários à sua decretação. Isso é incontestável e nessa linha acha-se a Súmula nº 359. Acontece que não se cuida aqui da aposentadoria em si. Mas, como já assinalamos, de um elemento que se apresenta com valor jurídico próprio e que se incorporou ao patrimônio do funcionário. Não é demais repetir que satisfeita a exigência de lei especial para a contagem jurídica e material do tempo de serviço completou-se o direito, destinado a sobreviver até o momento da aposentadoria, direito inalterável, que não pode ser desconstituído por lei intercorrente.

Após esta magistral aula de interpretação do direito seria desnecessário tecer outros comentários, cabendo apenas referir que restou ao final decidido que uma vez prestada a atividade, adquire-se o direito de ver este tempo contado segundo a qualificação e valor jurídico que a norma contemporânea vigente lhe atribuía. Importante também mencionar que se trata de entendimento consolidado na Suprema Corte, conforme se pode apurar da leitura do RE 174150/RJ (RE 174150/RJ- Ementa: Pela lei vigente à época de sua prestação, qualifica-se o tempo de serviço do funcionário público, sem a aplicação retroativa de norma ulterior que nesse sentido não haja disposto.

Precedentes do Supremo Tribunal: RE 82.881 (RTJ 79/268) e RE 85.218 (RTJ 79/338). Relator: Min. Octávio Gallotti. Julgamento: 04/04/2000.).

Sobressai, portanto, que a omissão, ainda que proposital, ocorrida no Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto nº 3.048, de 1999, não teria acarretado modificação no regime jurídico da aposentadoria, mas sim, no regime jurídico da contagem de tempo de contribuição, o que infirma a base de sustentação em que se fiou a conclusão pronunciada no aludido Parecer/CJ nº 2.893/02, neste particular.

No caso em exame, tempo exercido como aluno aprendiz, restou amplamente assente, seja pela consolidada jurisprudência, seja pelo Parecer/CJ nº 2.893/02, que tal período de atividade deve ser qualificado como tempo de serviço. Logo, não poderia a norma superveniente (Decreto nº 3.048/99) retirar-lhe esta característica e valor jurídico, já agregado ao patrimônio pessoal do segurado.

A norma nova pode até dispor que determinada atividade não mais se circunscreva como tempo de serviço/contribuição, mas esta regra somente incidirá para as situações verificadas a partir de sua edição, não podendo alcançar e modificar o conteúdo jurídico e os efeitos das relações jurídicas consumadas sob a égide da norma revogada. Como corolário, a contagem do tempo de serviço rege-se pela norma vigente no momento da prestação da atividade.

Interpretar de modo diferente, como fez o raciocínio defendido no Parecer/CJ nº 2.893/02, quanto a este ponto especificamente, poderia levar a situações insustentáveis no plano fático.

Suponha-se, por absurda hipótese, que hoje seja editada uma lei dispondo que o tempo trabalhado na condição de segurado empregado não mais será contado como tempo de contribuição.

Se fosse legítimo o raciocínio exposto no Parecer/CJ nº 2.893/02, no sentido de que a lei de regência seria aquela vigente ao tempo da implementação de todos os requisitos para concessão da aposentadoria, teríamos que admitir que, sendo aplicável desde logo a indigitada lei, todos os segurados da categoria empregados que ainda não houvessem completado todos os requisitos para obtenção da aposentadoria, perderiam o direito de ver o período trabalhado anteriormente à nova lei contado para fins de sua aposentadoria.

Exemplificando, um hipotético segurado que tenha contribuído pelos últimos vinte e nove anos na condição de empregado (tempo insuficiente para se aposentar, portanto), simplesmente teria trabalhado e contribuído inutilmente para a Previdência Social durante todo esse período, já que este não mais será computado em razão da nova lei.

Mutatis mutandis, este é o raciocínio e a conclusão a que se chegaria aplicando-se o Parecer/CJ nº 2.893/02. Todavia, transparece latente sua insustentabilidade segundo a ordem jurídica vigente.

Diante deste cenário resta evidente, ictu oculi, a subtração de algum direito desse segurado, no caso, do direito adquirido à contagem do tempo de serviço/contribuição prestado numa época em que a lei assegurava seu cômputo para fins de aposentadoria.

Muito já se estudou a respeito do instituto do direito adquirido, tema que cuida da estabilidade dos direitos subjetivos e da segurança das relações jurídicas, mas não custa relembrar algumas lições para o adequado enquadramento da hipótese ora sob exame:

"Direitos adquiridos são conseqüências de fatos jurídicos passados, mas conseqüências ainda não realizadas, que ainda não se tornaram de todo efetivas. Direito adquirido é, pois, todo direito fundado sobre um fato jurídico que já sucedeu, mas que ainda não foi feito valer." (Reynaldo Porchat. Retroatividade das Leis Civis.Duprat. 1909)."

...........................................................................................................................

"Direito adquirido, in genere, abrange os direitos que o seu titular ou alguém por ele possa exercer, como aqueles cujo começo de exercício tenha termo pré-fixo ou condição preestabelecida, inalterável ao arbítrio de outrem. São os direitos definitivamente incorporados ao patrimônio do seu titular, sejam os já realizados, sejam os que simplesmente dependem de um prazo para seu exercício, sejam ainda os subordinados a uma condição inalterável ao arbítrio de outrem. A lei nova não pode atingi-los, sem retroatividade."(Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de Direito Civil. Forense. 1961. v. 1, p. 125.).

A Constituição Federal de 1988, por seu turno, dispõe em seu artigo 5º: XXXVI

- a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

Daí porque ainda que tenha sobrevindo norma posterior mais restritiva, não poderia atingir o direito adquirido à contagem do período exercido como aluno aprendiz para fins de aposentadoria, já que ao tempo da prestação da atividade a norma em vigor, segundo pacífica jurisprudência do STJ citada no referido Parecer/CJ nº 2.893/02, previa este efeito àqueles que desempenhassem atividades na condição de aluno aprendiz.

De modo que, diferentemente do posicionamento adotado no aludido parecer normativo, a lei a ser observada para fins de contagem de tempo de serviço é aquela vigente ao tempo a ocorrência do fato abstratamente previsto na norma, no caso, aquela vigente ao tempo da prestação do serviço, com todas as conseqüências jurídicas dela decorrentes.

Ainda, nesta linha de aplicação do direito, o próprio Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto nº 3.048/99, ao tratar de tema conexo, contém expressa disposição que reproduz exatamente o raciocínio ora exposto:

"Art. 70. A conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum dar-se-á de acordo com a seguinte tabela: (Redação dada pelo Decreto nº 4.827/03) § 1º A caracterização e a comprovação do tempo de atividade sob condições especiais obedecerá ao disposto na legislação em vigor na época da prestação do serviço. (Incluído pelo Decreto nº 4.827/03) (g.n.)"

(...)

"49. Cabe neste ponto o registro de que o § 1º, acima transcrito, foi inserido no texto do RPS somente no ano de 2003, curvando-se a entendimento consagrado pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

Vale também lembrar que anteriormente a essa modificação, a Previdência defendia o entendimento de que com a extinção do enquadramento de atividades especiais por categoria profissional (ou atividade profissional), o que se deu com o advento da Lei nº 9.032/95, aqueles segurados que não haviam implementado todas as condições para se aposentar até aquela data, não poderiam mais proceder a conversão daquele tempo de serviço prestado em atividade especial para tempo comum.

A propósito, confira-se o teor do Parecer/CJ nº 1.331, de 1998, aprovado pelo titular da Pasta e publicado no D.O.U. de 1º de junho de 1998. Os argumentos então utilizados eram rigorosamente os mesmos versados no ora questionado Parecer/CJ nº 2.893/02, no sentido de que teria ocorrido mudança no regime jurídico da aposentadoria e que a ninguém era assegurado direito adquirido a regime jurídico, regendo-se a aposentadoria pela norma vigente ao tempo do preenchimento de todos os requisitos, inclusive com a menção à citada Súmula nº 359 do STF.

Tal orientação normativa não prevaleceu, sendo afastados os argumentos pela ampla e consolidada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o que levou à modificação do art. 70 do RPS, transcrito anteriormente.

Apenas para exemplificar transcreve-se o seguinte julgado do E. Superior Tribunal de Justiça:

Recurso Especial. Previdenciário. Tempo de Serviço. Atividade Insalubre. Contagem Especial para Fins de Concessão de Aposentadoria. Possibilidade. Exigência de Laudo Pericial. Leis nºs 9.032/95 e 9.528/97. Desnecessidade em Relação ao Serviço Prestado no Regime Anterior ao da Lei nº 8.213/91."

Notas :
1) A Lei nº 9.032, de 28/04/1995 dispõe sobre o valor do salário mínimo, altera dispositivos das Leis nº 8.212 e nº 8.213, ambas de 24/07/1991, e dá outras providências.
2) A Lei nº 9.528/97 altera dispositivos das Leis n°s 8.212 e 8.213, ambas de 24/07/1991, e dá outras providências.
3) A Lei nº 8.213/91 dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências.

"O direito à contagem, conversão e averbação de tempo de serviço é de natureza subjetiva, enquanto relativo à realização de fato continuado, constitutivo de requisito à aquisição de direito subjetivo outro, estatutário ou previdenciário, não havendo razão legal ou doutrinária para identificar-lhe a norma legal de regência com aquela que esteja a viger somente ao tempo da produção do direito à aposentadoria de que é instrumental.

O tempo de serviço é regido sempre pela lei da época em que foi prestado. Dessa forma, em respeito ao direito adquirido, se o trabalhador laborou em condições adversas e a lei da época permitia a contagem de forma mais vantajosa, o tempo de serviço assim deve ser contado.

Sob a égide do regime anterior ao da Lei nº 8.213/91, a cada dia trabalhado em atividades enquadradas como especiais (Decretos nºs 53.831/64 e 83.080/79), realizava-se o suporte fático da norma que autorizava a contagem desse tempo de serviço de forma diferenciada, de modo que o tempo de serviço convertido restou imediatamente incorporado ao patrimônio jurídico do segurado, tal como previsto na lei de regência.

(...)

Recurso parcialmente conhecido.

(Recurso Especial nº 411566. Processo 200200151679/SC - Sexta Turma Data da decisão: 11/02/2003)

Portanto, ao exercer certa atividade que a lei contemporânea considera como tempo de serviço, para fins de futura aposentadoria, o segurado adquire o direito de ver assim computado esse período no momento em que for se aposentar.

Assim, à luz da argumentação perfilhada, a restrição eventualmente trazida pelo Decreto nº 3.048/99, somente deve ser observada para os fatos ocorridos sob sua vigência, isto é, para se aferir sobre o cômputo de tempo de serviço prestado após sua edição, devendo ser preservado como aproveitável, para fins de contagem de tempo de serviço, o período exercido como aluno aprendiz, segundo a norma vigente ao tempo da prestação dessa atividade, independentemente de o segurado ter implementado os demais requisitos para aposentadoria após o advento do aludido instrumento regulamentar.

Entender de modo diverso implicaria em emprestar efeitos restritivos retroativos à regra instituída com a edição do Decreto nº 3.048/99, vez que estaria a atingir fatos e relações jurídicas já consolidadas sob a égide de norma anterior, que permitia o cômputo e que gerou direito ao segurado.

Diante do exposto, em que pesem os argumentos expostos no Parecer/CJ nº 2.893/02, a restrição temporal ali contida parece desafiar, ou mesmo contrapor-se, a princípio basilar do nosso ordenamento jurídico, insculpido no art. 5º, XXXVI, da Constituição, motivo pelo qual vislumbra-se procedência na recalcitrância manifestada pelo Conselho de Recursos da Previdência Social, devendo neste ponto, especificamente, ser adotado o presente posicionamento quanto à preservação do direito ao cômputo do tempo do aluno aprendiz, mantidos os demais termos do mencionado parecer."

3. Conclusão

Sob tais perspectivas, esta Consultoria Jurídica, no exercício das atribuições que lhe conferem os incisos I e III do art. 11 da Lei Complementar nº 73/93, fixa a seguinte orientação sobre a questão objeto do presente estudo:

a) Conforme sustentado no Parecer/CJ nº 2.893/02, é possível o aproveitamento, para fins de contagem de tempo de serviço, do período exercido na condição de aluno aprendiz em escola técnica federal, desde que tenha havido remuneração, ainda que indireta, à conta do Orçamento da União;

b) A legislação que rege o direito à contagem de tempo de serviço/contribuição é aquela vigente ao tempo da prestação da atividade.

c) Sendo assim, permite-se o cômputo, para fins de contagem de tempo de serviço/contribuição, do período exercido como aluno aprendiz segundo a norma vigente ao tempo da prestação dessa atividade, independentemente de o segurado implementar os demais requisitos para aposentadoria somente após o advento do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto nº 3.048/99.

Nota :
A Lei Complementar nº 73, de 10/02/93 institui a Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União e dá outras providências.