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1.Introdução

O Parecer do CONJUR/MPS nº 224/07 dispõe sobre como utilizar o tempo de contribuição para obter aposentadoria ao exercer atividade concomitante no Regime Geral da Previdência Social e no emprego público como celetista.

2.Considerações Iniciais

Cuida o presente estudo de questão previdenciária referente ao exercício de atividades concomitantes no serviço público e na iniciativa privada, com ênfase para o tratamento jurídico previsto em lei quanto ao aproveitamento do tempo de atividade autônoma com vinculação obrigatória à antiga Previdência Social Urbana, atual Regime Geral de Previdência Social (RGPS), exercida de forma paralela ao período de emprego público celetista com filiação à mesma Previdência Social Urbana, objeto de averbação perante o Regime Jurídico Único (RJU), nos termos do art. 247 da Lei nº 8.112/90.

Nota :
A Lei nº 8.112/90 estabelece sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das Autarquias e das Fundaçãoes Públicas Federais.

Nota-se dos autos que, a questão sob análise foi formulada pelo diretor de benefícios do INSS e submetida à apreciação desta consultoria jurídica pela secretaria de políticas de previdência social, deste ministério, com base nas disposições do art. 309, do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto nº 3.048/99.

É o relatório.

Em primeiro plano, cumpre-nos delimitar de maneira objetiva o questionamento ora submetido à apreciação desta consultoria jurídica, a fim de definir o âmbito de aplicação do presente parecer.

A controvérsia em análise teve sua gênese em determinado caso concreto no qual o segurado exerceu, ao longo de sua vida profissional, de forma paralela e simultânea, mais de uma atividade laborativa, no serviço público e na iniciativa privada, atividades que determinaram originariamente filiação obrigatória apenas à Previdência Social Urbana, atual Regime Geral de Previdência (RGPS).

Com a instituição do regime jurídico único dos servidores públicos federais por intermédio da Lei nº 8.112/90, houve a alteração automática do vínculo de filiação à Previdência Social em relação ao antigo regime de emprego público, que foi transformado em cargo público, conduzindo o segurado, por conta da modificação de status funcional, à categoria dos servidores públicos federais com Regime Próprio de Previdência, denominado RJU, todavia, sem prejuízo da manutenção do vínculo de filiação com a Previdência Social Urbana, neste caso concreto, decorrente da continuidade da atividade autônoma que o segurado não deixou de exercer.

Importante frisar que, no período posterior à Lei nº 8.112/90, as sobreditas atividades simultâneas foram suficientes para ensejar distintos vínculos de filiação automática e obrigatória aos diversos regimes previdenciários ligados a tais atividades, no caso, a atividade privada autônoma continuou relacionada à Previdência Social Urbana, posteriormente ao RGPS, enquanto que o exercício do cargo público desencadeou uma nova relação previdenciária no âmbito do Regime Próprio do RJU.

Observa-se também que as atividades foram simultaneamente exercidas por parte considerável da trajetória profissional do segurado, de forma que, até a data do requerimento do benefício no âmbito do RGPS, o segurado ainda achava-se ligado tanto ao RGPS como ao RJU.

Sucede que, por ocasião do requerimento, instaurou-se a presente polêmica de ordem jurídica em torno da contagem do tempo de contribuição deste segurado, ou seja, iniciou-se o debate em torno do tempo de atividade profissional anterior à instituição do RJU que poderia ser aproveitado para efeito de obtenção de aposentadoria perante o RGPS.

Dessa forma, extrai-se dos autos que o principal foco de irradiação da presente controvérsia jurídica encontra-se fixado na transformação legal do emprego público celetista em cargo público estatutário, por conta do disposto no art. 243 da Lei nº 8.112/90, o que acarretou, apenas a partir da citada transformação, o desdobramento do vínculo de natureza previdenciária em duas relações previdenciárias distintas.

Num passo mais adiante, questiona-se a esta consultoria acerca da legalidade do cômputo, no âmbito do RGPS, do tempo de atividade privada e autônoma, com filiação ao Regime de Previdência Social Urbana, atual RGPS, exercida paralelamente ao tempo de emprego público celetista, também amparado à época do exercício da atividade pelo Regime de Previdência Social Urbana, diante da previsão legal de averbação do tempo de emprego público celetista perante o RJU, na forma do art. 247 da Lei nº 8.112/90.

A propósito da matéria, uma corrente de interpretação, capitaneada pela direção central da Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS, Divisão de Consultoria de Benefícios, defende a tese de que as diversas atividades simultâneas do interessado devem ser apreciadas sob a ótica previdenciária de forma autônoma, porquanto tais atividades encontram-se atualmente ligadas a regimes previdenciários distintos.

Nessa linha de raciocínio, entende tal corrente ser irrelevante o fato de o período de emprego público celetista ter sido objeto de averbação no RJU por força do art. 247 da Lei nº 8.112/90, já que a averbação desse tempo não abrangeria ou absorveria as demais atividades paralelas, exercidas na condição de empregado de empresas privadas ou de contribuinte autônomo, cuja filiação corresponde ao atual RGPS.

A segunda corrente encontra respaldo no pronunciamento da Secretaria de Políticas de Previdência Social, deste Ministério, no sentido de que os períodos de contribuição para o RGPS objeto de averbação decorrente da Lei nº 8.112/90 não poderão ser aproveitados paralelamente no âmbito do RGPS, uma vez que o vínculo de natureza previdenciária não pode ser dividido em várias partes para efeito de contagem recíproca, tendo em vista o que foi disciplinado pelo art. 96 da Lei nº 8.213/91.

Dentro de tal ordem de idéias, ainda que houvesse a identificação, no plano fático, do exercício de atividades concomitantes dentro de um mesmo período - atividades que, pouco importa, relacionadas ao serviço público ou à atividade privada, conquanto posicionadas no âmbito restrito da Previdência Social Urbana - não seria juridicamente viável, dentro do ordenamento brasileiro, atribuir natureza previdenciária autônoma às diversas atividades profissionais do segurado, que estavam vinculadas, na época da prestação do serviço, apenas ao antigo Regime da Previdência Social Urbana, pois esse raciocínio caracteriza ofensa às normas gerais da contagem recíproca.

Em resumo, da apreciação da controvérsia delimitada nos parágrafos anteriores torna-se possível adotar o seguinte objeto de indagação: o período de atividade privada, seja na condição de autônomo, seja como empregado de empresa privada, com vinculação à antiga Previdência Social Urbana, atual RGPS, concomitante ao período de emprego público celetista, com vinculação também à extinta Previdência Social Urbana, averbado perante o RJU por força do art. 247 da Lei nº 8.112/90, poderá ser aproveitado de maneira independente para fins de concessão de benefício no âmbito do atual RGPS?

Pois bem, conforme mencionado, trata-se de pedido de aplicação do art. 309 do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto nº 3.048/99, com as alterações do Decreto nº 4.827/03, assim redigido:

"Art. 309. Havendo controvérsia na aplicação de lei ou de ato normativo, entre órgãos do Ministério da Previdência e Assistência Social ou entidades vinculadas, ou ocorrência de questão previdenciária ou de assistência social de relevante interesse público ou social, poderá o órgão interessado, por intermédio de seu dirigente, solicitar ao Ministro de Estado da Previdência e Assistência Social solução para a controvérsia ou questão.

§ 1º - A controvérsia na aplicação de lei ou ato normativo será relatada in abstracto e encaminhada com manifestações fundamentadas dos órgãos interessados, podendo ser instruída com cópias dos documentos que demonstrem sua ocorrência.

§ 2º - A Procuradoria Geral Federal Especializada/INSS deverá pronunciar-se em todos os casos previstos neste artigo."

Estando bem caracterizada e delimitada a controvérsia em torno da aplicação da legislação previdenciária, passaremos à análise da matéria conforme pedido do dirigente do órgão interessado.

Preliminarmente, cumpre-nos apreciar o conceito constitucional de contagem recíproca do tempo de contribuição. Dispõe o art. 201, § 9º, da Constituição Federal:

"Art. 201.......................................................................

....................................................................................

§ 9º - Para efeito de aposentadoria, é assegurada a contagem recíproca do tempo de contribuição na administração pública e na atividade privada, rural e urbana, hipótese em que os diversos regimes de previdência social se compensarão financeiramente, segundo critérios estabelecidos em lei."

Por sua vez, o art. 94, "caput", da Lei nº 8.213/91, estabelece o seguinte:

"Art. 94. Para efeito dos benefícios previstos no Regime Geral de Previdência Social ou no serviço público é assegurada a contagem recíproca do tempo de contribuição na atividade privada, rural e urbana, e do tempo de contribuição ou de serviço na administração pública, hipótese em que os diferentes sistemas de previdência social se compensarão financeiramente.

............................................................."

Os critérios de compensação financeira entre o regime geral e os regimes próprios de previdência social foram delineados pela Lei nº 9.796/99, ao passo que a contagem recíproca deve observar o que dispuser a legislação pertinente, acrescida das regras universais de uniformidade previstas no art. 96 da Lei nº 8.213/91, a seguir reproduzido:

"Art. 96. O tempo de contribuição ou de serviço de que trata esta Seção será contado de acordo com a legislação pertinente, observadas as normas seguintes:

I - não será admitida a contagem em dobro ou em outras condições especiais;

II - é vedada a contagem de tempo de serviço público com o de atividade privada, quando concomitantes;

III - não será contado por um sistema o tempo de serviço utilizado para concessão de aposentadoria pelo outro;

IV - o tempo de serviço anterior ou posterior à obrigatoriedade de filiação à Previdência Social só será contado mediante indenização da contribuição correspondente ao período respectivo, com acréscimo de juros moratórios de um por cento ao mês e multa de dez por cento.

V - (Revogado pela Lei nº 9.528/97)."

Nesses termos, observa-se que a contagem recíproca consiste no aproveitamento do tempo de contribuição previdenciária na atividade privada, rural e urbana ou na administração pública em quaisquer dos seus regimes públicos, mediante compensação financeira dos aportes contributivos relacionados aos segurados que transitaram de um regime para outro ao longo da sua trajetória individual de trabalho, com vistas a contemplar os direitos acumulados destes segurados, sem prejuízo da manutenção do equilíbrio financeiro e atuarial dos sobreditos regimes previdenciários.

Na linha do princípio de universalidade, a contagem recíproca tem por finalidade garantir aos segurados destes diversos regimes de previdência o livre trânsito dos seus direitos acumulados durante determinada etapa da sua vida laborativa, viabilizando, por conseguinte, a aquisição do direito aos benefícios previstos no regime instituidor mediante cômputo do tempo de filiação e contribuição ao regime denominado de origem.

Como se vê, trata-se de instrumento de eqüidade, posicionado no âmbito das relações previdenciárias que o indivíduo mantém com a sociedade, ou seja, com a instituição da seguridade social que constitucionalmente representa.

A propósito da contagem recíproca, assim se pronunciou Daniel Machado da Rocha em artigo jurídico constante da obra Temas Atuais de Direito Previdenciário e Assistência Social (Porto Alegre, 2003, Ed. Livraria do Advogado, p. 16):

"A contagem recíproca é um instituto previdenciário, contaminado pelo princípio da universalidade do seguro social, cuja existência colima franquear ao segurado que esteve vinculado a diferentes regimes a obtenção dos benefícios previdenciários, quando ele não preenche os requisitos considerando-se unicamente um determinado regime previdenciário. Isto resta possível mediante o aproveitamento dos tempos de filiação cumpridos pelo segurado em cada um dos distintos regimes oficiais"

Da comparação entre a definição traçada nos parágrafos anteriores e as divisas estabelecidas no tópico inicial do presente parecer, observa-se que estamos diante de um problema típico da contagem recíproca, porquanto a controvérsia encontra-se fundamentada basicamente na transposição do tempo de filiação contributiva de um regime previdenciário a outro, mercê da migração do trabalhador pelos distintos regimes previdenciários.

Neste sentido, o que se observa do exame da legislação é que, para fins de seguridade social do servidor público celetista, o tempo de contribuição junto à antiga Previdência Social Urbana será objeto de averbação perante o RJU, mediante ajuste de contas com a Previdência Social. É o que prevê expressamente o art. 247 da Lei nº 8.112/90:

"Art. 247. Para efeito do disposto no Título VI desta Lei, haverá ajuste de contas com a Previdência Social, correspondente ao período de contribuição por parte dos servidores celetistas abrangidos pelo art. 243."

De seu turno, o art. 243 da Lei nº 8.112/1990 vaticina que:

"Art. 243. Ficam submetidos ao regime jurídico instituído por esta Lei, na qualidade de servidores públicos, os servidores dos Poderes da União, dos ex-Territórios, das autarquias, inclusive as em regime especial, e das fundações públicas, regidos pela Lei nº 1.711, de 28 de outubro de 1952 - Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União, ou pela Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, exceto os contratados por prazo determinado, cujos contratos não poderão ser prorrogados após o vencimento do prazo de prorrogação.

§ 1º - Os empregos ocupados pelos servidores incluídos no regime instituído por esta Lei ficam transformados em cargos, na data de sua publicação. (...)."

Uma vez assentado que a matéria realmente encontra-se posicionada no âmbito da contagem recíproca, passa-se à análise do objeto principal da controvérsia estabelecida entre órgãos no âmbito desse Ministério.

Tal controvérsia, de natureza eminentemente jurídica, reporta-se no plano ontológico à admissibilidade, ou não, de operar o desdobramento do vínculo de natureza previdenciária perante a antiga Previdência Social Urbana, anterior à Lei do RJU, à luz do contido nos supratranscritos arts. 243 e 247 da Lei nº 8.112/90, e dos critérios de uniformidade para contagem recíproca, estabelecidos no art. 96 da Lei nº 8.213/91.

Nessa toada, faz-se imprescindível iniciar a abordagem da matéria lembrando um dos princípios básicos do campo do direito previdenciário, o qual reza que o tempo de filiação previdenciária incorpora-se dia a dia ao patrimônio do trabalhador, sob a égide do regime legal que foi prestado, não obstante os requisitos de elegibilidade das prestações previdenciárias devam ser aferidos apenas no momento em que o trabalhador preencher todas as condições previstas na lei vigente, a fim de caracterizar, ou não, hipótese de direito adquirido a determinada prestação ou benefício.

Esta observação é feita com o escopo de explicitar que, ao tempo do exercício das atividades simultâneas com filiação exclusiva à Previdência Social Urbana, o trabalhador não tinha a perspectiva de obter mais de uma aposentadoria em função de tais atividades, porquanto o que havia na época da prestação do serviço era o exercício de atividades concomitantes com filiação a um mesmo sistema previdenciário, leia-se, ao antigo Regime de Previdência Social Urbana, atualmente absorvido pelo RGPS.

De maneira que as atividades simultâneas relacionadas ao serviço público celelista e à atividade privada autônoma geravam para o segurado a expectativa de obter apenas um único benefício de aposentadoria decorrente do tempo de filiação e de contribuição à Previdência Social Urbana.

Na verdade, a transposição dos ex-empregados públicos celetistas para o RJU e, por via de conseqüência, para o Regime Próprio de Previdência dos Servidores Públicos da União, constitui o único argumento a sustentar a tese no sentido de que tais subclasses de vínculo previdenciário poderiam ser suficientes para fundamentar diversos benefícios de aposentadoria.

Entretanto, esta solução não encontra respaldo na legislação previdenciária que estipula as condições para obtenção dos benefícios no âmbito da contagem recíproca entre os diversos sistemas de previdência social, conforme fundamentos seguintes. Com efeito, lembre-se primeiramente que, para a hipótese de exercício de atividades concomitantes no âmbito do RGPS, a legislação atual, bem como as anteriores, sempre estabeleceram que o tempo de contribuição será contado uma única vez, independentemente da quantidade de atividades exercidas no mesmo período.

Neste sentido, vale destacar, a título meramente ilustrativo, o disposto no vigente art. 32 da Lei nº 8.213/91, que trata da metodologia de cálculo do salário-de-benefício do segurado que contribuiu em razão do exercício de atividades concomitantes para o RGPS:

"Art. 32. O salário-de-benefício do segurado que contribuir em razão de atividades concomitantes será calculado com base na soma dos salários-de-contribuição das atividades exercidas na data do requerimento ou do óbito, ou no período básico de cálculo, observado o disposto no Art. 29 e as normas seguintes:

I - quando o segurado satisfizer, em relação a cada atividade, as condições do benefício requerido, o salário-de-benefício será calculado com base na soma dos respectivos salários-de-contribuição;

II - quando não se verificar a hipótese do inciso anterior, o salário-de-benefício corresponde à soma das seguintes parcelas:

a)o salário-de-benefício calculado com base nos salários-decontribuição das atividades em relação às quais são atendidas as condições do benefício requerido;

b)um percentual da média do salário-de-contribuição de cada uma das demais atividades, equivalente à relação entre o número de meses completo de contribuição e os do período de carência do benefício requerido;

III - quando se tratar de benefício por tempo de serviço, o percentual da alínea "b" do inciso II será o resultante da relação entre os anos completos de atividade e o número de anos de serviço considerado para a concessão do benefício.

§ 1º - O disposto neste artigo não se aplica ao segurado que, em obediência ao limite máximo do salário-de-contribuição, contribuiu apenas por uma das atividades concomitantes.

§ 2º - Não se aplica o disposto neste artigo ao segurado que tenha sofrido redução do salário-de-contribuição das atividades concomitantes em respeito ao limite máximo desse salário."

Note-se que, por força do art. 32 da Lei nº 8.213/91, quando o segurado exercer várias atividades paralelas com filiação obrigatória ao RGPS, a aposentadoria será obtida a partir da junção dos respectivos salários-de-contribuição, de acordo com as regras definidas pelos incisos I a III, não havendo que se falar na possibilidade de obtenção de dupla ou múltipla aposentadoria suportada pelo RGPS.

Ademais, o art. 124 da Lei nº 8.213/91 confirma esse raciocínio, ao dispor que não será permitido o recebimento conjunto de mais de uma aposentadoria no âmbito da Previdência Social. Confira-se o texto:

"Art. 124. Salvo no caso de direito adquirido, não é permitido o recebimento conjunto dos seguintes benefícios da Previdência Social:

II - mais de uma aposentadoria; (...)."

Ao nosso ver, portanto, o sentido decorrente da interpretação sistemática dos arts. 32 e 124 da Lei nº 8.213/91 afasta qualquer dúvida a respeito da unidade do vínculo de natureza previdenciária, ao dispor que o salário-de-benefício do segurado que contribuir em razão de atividades concomitantes será calculado com base na soma dos salários-de-contribuição, ressalvadas as situações em que o trabalhador contribuiu apenas por uma das atividades concomitantes em obediência ao limite máximo do salário-de-contribuição ou, tendo contribuído para as diversas atividades, tenha sofrido redução do salário-de-contribuição de modo a observar o teto contributivo, sendo vedado o recebimento conjunto de mais de uma aposentadoria ou de benefício acima do teto legal previsto pela legislação.

Vale repetir que o que se admite no âmbito do atual RGPS é que sejam somados os respectivos salários-de-contribuição e, na hipótese de atingir-se o teto máximo de contribuição, a teor da inteligência do art. 28, § 5º da Lei nº 8.212/91, o segurado ficará isento em relação ao excedente, em cada competência, de maneira que o excesso da base de cálculo também será uniformemente desprezado por ocasião do cálculo da renda mensal inicial do benefício, o que garante, de certa forma, coerência entre custeio e benefício consagrados pelo plano do RGPS.

Essa relação custeio-benefício ou cobertura previdenciária encontra-se em total sintonia com as demais regras que cuidam do aproveitamento do tempo de contribuição e da contagem recíproca, que deve ser requerida ao sistema previdenciário a que o interessado estiver vinculado, consoante disciplina o § 1º do art. 94 da Lei nº 8.213/91, renumerado pela Lei Complementar nº 123/06, a seguir reproduzida:

"Art. 94. (...).

§ 1º - A compensação financeira será feita ao sistema a que o interessado estiver vinculado ao requerer o benefício pelos demais sistemas, em relação aos respectivos tempos de contribuição ou de serviço, conforme dispuser o Regulamento. (...)."

De outro lado, particularmente em relação ao foco central do presente estudo, o art. 96 da Lei nº 8.213/91 dispõe o seguinte:

Art. 96. O tempo de contribuição ou de serviço de que trata esta Seção será contado de acordo com a legislação pertinente, observadas as normas seguintes: (...)

II - é vedada a contagem de tempo de serviço público com o de atividade privada, quando concomitantes;

III - não será contado por um sistema o tempo de serviço utilizado para concessão de aposentadoria pelo outro; (...)."

Assim, percebe-se que a norma geral do art. 96 da Lei nº 8.213/91 é explícita no sentido de proibir para efeito de contagem recíproca do tempo de contribuição a ocorrência das seguintes hipóteses:

a) a contagem de tempo de serviço público com o de atividade privada, quando concomitantes; e

b) a contagem, por um sistema previdenciário, do tempo de serviço efetivamente utilizado para fins de concessão de aposentadoria por outro.

Consoante se infere da primeira regra em destaque, restou vedado, para efeito de obtenção de aposentadoria no regime instituidor, o aproveitamento do tempo concomitante de serviço público e de atividade privada (art. 96, inciso II da Lei nº 8.213/91).

A razão para esta norma restritiva é que a filiação simultânea aos diversos regimes previdenciários prejudica e ao mesmo tempo torna desnecessária a compensação financeira, uma vez que um determinado sistema previdenciário não irá indenizar o período já utilizado ou passível de utilização futura para concessão de benefício próprio, além do que a situação caracterizaria uma modalidade de contagem em dobro do tempo de contribuição, o que também restou proibido pelo inciso I art. 96 da Lei nº 8.213/91.

Nesses termos, chega-se à conclusão preliminar de que o período objeto de averbação perante o RJU, exercido como celetista, deverá, a princípio, ser aproveitado para aposentadoria no âmbito do regime próprio, pois a primeira regra em destaque veda apenas o aproveitamento do tempo concomitante de serviço público e de atividade privada para efeito de aposentadoria num mesmo regime.

Todavia, de acordo com a segunda regra sob análise, ficou proibido o cômputo, por um sistema previdenciário, apenas do tempo de contribuição efetivamente utilizado para fins de concessão de aposentadoria por outro.

De modo que, a teor da inteligência do art. 96, inciso III, da Lei nº 8.213/91, o importante é que o mesmo tempo de contribuição vinculado à antiga Previdência Social Urbana não seja efetivamente empregado para efeito de obtenção de mais de um benefício de aposentadoria do RGPS e do RJU.

Esta dicção em caráter dogmático decorre da regra matriz da compensação financeira, para a qual será imprescindível a indenização do período a ser computado pelo regime instituidor, que por sua vez somente se materializará nas hipóteses em que o tempo de contribuição já não tenha sido ou não possa ser de forma alguma efetivamente aproveitado pelo regime de origem.

Assim sendo, nesses casos examinados, verifica-se que a duplicação do vínculo de natureza previdenciária, decorrente do art. 243 da Lei nº 8.112/90, apesar de não permitir a contagem do tempo de emprego público celetista em dobro ou em vários regimes, acabou por possibilitar, em caráter excepcional, nas hipóteses em que o segurado continuar exercendo paralelamente as suas atividades no serviço público e na atividade autônoma, o exercício da opção pela contagem do período no Regime Próprio do RJU ou, alternativa e não cumulativamente, no Regime Geral do RGPS, ou seja, a contagem do tempo de contribuição somente poderá ser feita uma única vez no regime previdenciário que o segurado entender mais benéfico, evidentemente quando integralizar todos os requisitos do benefício.

Nesse contexto, o art. 247 da Lei nº 8.112/90 deve ser interpretado como uma regra benéfica para o trabalhador, pois tãosomente lhe assegura o direito de que o tempo de emprego público celetista seja computado no âmbito RJU.

Significa dizer, por outras palavras, que na hipótese de ainda subsistir a referida simultaneidade de filiação previdenciária, após a efetiva utilização do período concomitante para efeito de obtenção de aposentadoria, seja qual for o sistema instituidor do benefício, não mais será possível empregar este mesmo período em outra aposentadoria, ainda que em regime previdenciário diverso, considerando a unidade do vínculo de natureza previdenciária, necessária para fins de compensação financeira.

Fechando o raciocínio, cumpre-nos enfatizar que a possibilidade de opção pelo regime em que o período de emprego público celetista com filiação à Previdência Social Urbana será computado constitui situação excepcional decorrente da também excepcional manutenção das atividades concomitantes até o preenchimento dos requisitos de elegibilidade ao benefício requerido, porquanto a regra é que seja observado o art. 247 da Lei nº 8.112/90.

3.Conclusões

Ante o exposto, esta Consultoria Jurídica, no exercício das atribuições que lhe conferem os incisos I e III do art. 11 da Lei Complementar nº 73/93, fixa a seguinte orientação sobre a questão objeto do presente estudo:

"(a) o tempo de atividade autônoma com filiação à antiga Previdência Social Urbana, do atual Regime Geral de Previdência Social - RGPS, exercido de forma concomitante ao período de emprego público celetista, com filiação à mesma Previdência Social Urbana, objeto de averbação perante o Regime Jurídico Único (RJU) conforme determinação do art. 247 da Lei nº 8112/90, somente poderá ser computado para efeito de aposentadoria uma única vez, independentemente do regime instituidor do benefício;

(b) excepcionalmente em relação às hipóteses constitucionais e legais de acumulação de atividades no serviço público e na iniciativa privada, quando uma das ocupações estiver enquadrada nos termos do art. 247 da Lei nº 8.112/90, todavia, for verificada a subsistência dos diversos vínculos previdenciários até a época do requerimento do benefício, admite-se em tese a possibilidade do trabalhador exercer a opção pelo regime previdenciário em que esse tempo será, uma única vez, utilizado para fins de aposentadoria, desde que estejam preenchidos todos os requisitos para a concessão do benefício de acordo com as regras do regime instituidor;

(c) admite-se a utilização, no âmbito de um sistema de previdência social, do tempo de contribuição que ainda não tenha sido efetivamente aproveitado para obtenção de aposentadoria em outro, na conformidade do art. 96, inciso III da Lei nº 8.213/91."

Nota :
A Lei Complementar nº 73/93, instituiu a Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União.

O Inciso III do art. 96 da Lei nº 8.213/91 dispõe que o tempo de contribuição ou de serviço será contado com a legislação pertinente, observado que não será contado por um sistema o tempo , utilizado para concessão de aposentadoria pelo outro.